terça-feira, 25 de abril de 2023

MOVIMENTO NACIONAL EM DEFESA DO ENSINO MÉDIO - MANIFESTO DIRIGIDO AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, AO CONGRESSO NACIONAL E À SOCIEDADE EM GERAL

O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (MNDEM), criado em 2014, inicialmente  composto por várias entidades de representação do meio acadêmico e científico e outras representações da área da educação, como sindicatos e movimentos sociais, atuou efetivamente no âmbito das discussões e tramitação do PL nº 6.840/2013 no Congresso Nacional. Atualmente o MNDEM é comporto pelos 23 grupos de pesquisa distribuídos por todo o território nacional e que integram a rede nacional EMPesquisa. O MNDEM teve suas ações revigoradas quando da publicação da Medida Provisória (MP) nº 746 de 22 de setembro de 2016, tão logo consolidado o afastamento da presidenta Dilma Roussef e a ocupação do Palácio do Planalto pelo seu vice-presidente Michel Temer. A referida MP, de forte inspiração no PL nº 6.840/13, propunha ampla reformulação curricular e, também, mudanças nas regras de financiamento do Ensino Médio público. O presente Manifesto possui a intenção de ressaltar que os problemas do chamado Novo Ensino Médio (NEM) não se devem apenas ao processo de regulamentação pelas redes estaduais, do qual esteve ausente a participação de profissionais da educação e estudantes, e nem apenas às dificuldades que vieram à tona já no início da implementação. Trata-se, sobretudo, dos equívocos quanto à concepção do que deveria ser a última etapa da educação básica, equívocos estes já presentes na MP 746/16 e na Lei 13.415/17, reafirmados no processo de produção dos currículos estaduais e ampliados com a implementação nas escolas. Desse modo, é insuficiente fazer apenas ajustes, é imperativo e urgente a REVOGAÇÃO da Lei 13.415/17 e a retomada de um processo de reformulação do ensino médio que assegure efetivamente o direito à educação com qualidade para nossa(s) juventude(s). Quanto à concepção, reiteramos os graves aspectos sinalizados pelo MNDEM já no momento da aligeirada discussão da MP 746/16 no Congresso Nacional: 1) a redução da carga horária da formação geral básica para o máximo de 1.800 horas e o fatiamento do currículo em itinerários formativos, o que implica na negação do direito a uma formação básica comum e contraria o sentido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96 conferiu ao Ensino Médio, o de ser “educação básica” ”: comum e para todos, sem distinções no acesso ao conhecimento; 2) a organização por meio dos distintos itinerários que tem como consequência o reforço das desigualdades de oportunidades educacionais, além de infringir o direito de escolha das escolas, dado que esse poder foi delegado às secretarias estaduais de educação; 3) o reconhecimento de “notório saber”, com a permissão de que professores sem formação específica assumam disciplinas para as quais não foram preparados, o que institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino, em especial da Educação Profissional Técnica de Nível Médio; 4) o incentivo à ampliação da jornada (tempo integral) sem que tivessem sido assegurados investimentos de forma permanente, o que resulta em oferta ainda mais precária, além de induzir ao aumento da evasão escolar; 5) a definição da profissionalização como um dos itinerários formativos que tem como consequência a precarização da formação técnico-profissional, situação acentuada pela privatização por meio de parcerias; 6) a determinação de que apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática se tornassem obrigatórias, o que evidencia mais um aspecto da sonegação do direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral – científica, ética e estética; 7) a indução ao protagonismo de fundações, institutos e outros entes privados na condução da reforma que culmina com o uso privado de recursos públicos e delega a setores do mercado funções que são da ordem e responsabilidade da esfera pública; 8) a possibilidade de que parte da carga horária do Ensino Médio seja cumprida na modalidade de Educação a Distância em um país marcado por profunda exclusão digital, sobretudo das famílias de baixa renda e que compõem a origem dos/das estudantes das escolas públicas (O Ensino Médio público conta com um total de 6,6 milhões de alunos; as redes estaduais possuem uma participação de 84,2% no total de matrículas e concentram 87,7% dos alunos da rede pública conforme demonstra o Censo Escolar 2022 da Educação Básica de 2022. Atuam na rede pública aproximadamente 500 mil profissionais). Com a implementação, os problemas aventados no período de tramitação da MP 746/16 se confirmaram e se intensificaram. Observa-se de modo generalizado a desvalorização e intensificação do trabalho docente. Algumas disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física, Artes, dentre outras, passaram a ter substancial redução de carga horária e/ou foram retiradas da grade curricular de algumas séries/ano. Em alguns turnos, especialmente no noturno, elas desapareceram de praticamente todas as séries/anos, o que significa evidente prejuízo na formação dos/das estudantes.

As avaliações dos/das professores/as e estudantes quanto à organização da BNCC e dos livros didáticos por área do conhecimento se evidenciaram negativas, pois há relatos de que estão utilizando livros de anos anteriores, organizados por disciplinas. Esses profissionais afirmam que passaram a dar aulas de assuntos que não fazem sentido a alunos e alunas. Outro aspecto identificado diz respeito à necessidade de contratação de um número maior de profissionais pelas redes de ensino, seja pelo aumento da carga horária anual, seja pela diversificação curricular. Até o momento, não há indícios de resolução do problema causado pela reforma e que ocorre em todo o país: a falta de professores/as. A possibilidade de escolha do Itinerário Formativo a ser cursado já se apresentava como uma falácia, o que se confirma agora na implementação. Principalmente em escolas de pequeno porte, os/as alunos/as têm poucas opções, ou nenhuma. Estão sendo oferecidos em algumas redes estaduais e escolas os Itinerários Formativos e/ou disciplinas eletivas em contraturno ou à distância resultando em falta de interesse e incentivo ao abandono escolar. Além disso, a antecipação da necessidade de adoção de uma área de formação ainda no Ensino Médio configura-se como uma pressão injusta imposta aos estudantes em uma fase da vida de intensos questionamentos em que ainda estão constituindo suas identidades, se autoconhecendo, identificando suas preferências e potencialidades, compreendendo o mundo do trabalho e as relações sociais. Ao optar ou ser induzido a cursar um itinerário formativo, o estudante deixa de ter o acesso a conhecimentos historicamente compreendidos como básicos, o que limita suas possibilidades futuras de escolha profissional e de formação em nível superior. Verifica-se um descontentamento generalizado, tanto da parte de professores/as quando de alunos/as, com a diminuição da carga horária ou até o desaparecimento de disciplinas/conteúdos de formação geral para dar espaços para componentes curriculares criados como disciplinas eletivas, mas que não possuem qualquer embasamento científico. A ampliação da carga horária produziu diversos impactos considerados preocupantes, devido, inclusive, à falta de espaço real para o conjunto dos alunos, o que está fazendo com que parte dessa jornada esteja sendo cumprida de forma remota, sem qualquer acompanhamento pedagógico. É desejável a ampliação da jornada escolar, no entanto, é preciso que isso seja feito de forma a atender com qualidade tanto os aspectos curriculares e pedagógicos, quanto aqueles que dizem respeito a espaços adequados, alimentação, etc., o que implica em substantivo aumento dos recursos financeiros disponibilizados. A noção de flexibilidade que embasa a Lei e as normativas dela decorrente, em lugar de possibilitar a 'autonomia pedagógica" das escolas e professores/as e tornar mais significativa a experiência escolar para os/as estudantes, por estar baseada na oferta de algo que podemos chamar de 'mais do mesmo', evidencia um processo de desregulamentação e acomodação entre o que é proposto e o que é, de fato realizado, atravessado, porém, pelo aumento da precarização, o que torna ainda mais evidente o desconhecimento das redes estaduais pelos 'ideólogos' da reforma, estes vinculados ao setor empresarial. Em vista dos problemas identificados na concepção e pressupostos da reforma e que se confirmam já no início do processo de implementação, o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio indica, fortemente, e com base em evidências científicas, que o atual Governo Federal e o Congresso nacional assumam, em regime de urgência, a retomada da discussão sobre a etapa final da Educação Básica, que retome as Diretrizes presentes na Lei do Plano Nacional de Educação (sobretudo as relativas à Meta 3) e que acolha as deliberações da CONAPE 2022. O MNDEM indica, também a necessidade urgente do estabelecimento do diálogo com entidades científicas e representativas da área de educação, com entidades de representação docente e estudantil e com a sociedade em geral. De imediato indicamos a necessidade de revogar as proposições presentes na Lei 13.415/17 que originaram os problemas detectados já neste momento de início de sua implementação, bem como as normatizações decorrentes dessa Lei, dentre elas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CNE/CEB 03/2018) e Diretrizes Curriculares Nacionais gerais para a Educação Profissional e Tecnológica (Resolução CNE/CEB 01/2021). Entendemos que, para alterar de fato a qualidade do que é oferecido e ampliar as possibilidades de acesso, permanência e conclusão no Ensino Médio é necessário um conjunto articulado de ações envolvendo, da concepção à execução, as redes de ensino e os sujeitos que delas fazem parte. Tais ações precisam ter como eixo central o enfrentamento e superação das imensas desigualdades educacionais e escolares que, infelizmente, têm sido agravadas no contexto da atual reforma. Não se trata, portanto, de defesa de retorno, pura e simplesmente, ao “velho” ensino médio.

Dentre as ações necessárias com vistas a compor uma política pública articulada, o MNDEM indica: 1) a ampliação para o mínimo de 2.400 destinadas à Formação Geral Básica; 2) uma abordagem curricular que respeite as diferenças e os interesses dos/das jovens e que assegure, ao mesmo tempo, a formação básica comum e de qualidade (para essa finalidade, indicamos a retomada das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovadas e homologadas em 2012); 3) consolidação de uma forma de avaliação qualitativa no Ensino Médio que possibilite o acompanhamento permanente dos estudantes pelas escolas, com vistas à contenção do abandono e do insucesso escolar; 4) ampliação dos recursos financeiros com vistas à reestruturação dos espaços físicos, das condições materiais, da melhoria salarial e das condições de trabalho dos profissionais da educação; 5) garantia de condições físicas e materiais apropriadas nas escolas que oferecem Ensino Médio em tempo integral, bem como proposta pedagógica e curricular adequada à jornada ampliada; 6) fomento a ações de assistência estudantil, de modo a ampliar a permanência no sistema escolar de estudantes em situação de vulnerabilidade social; 7) atendimento diferenciado e qualificado para o Ensino Médio noturno e na modalidade da Educação de Jovens e Adultos; 8) incremento da oferta do ensino médio integrado à educação profissional, tendo como referência a experiência exitosa dos institutos federais; 9) formação inicial e continuada dos profissionais da educação que considere a diversidade de juventudes que frequentam a última etapa da educação básica; 10) oferta obrigatória da modalidade presencial, sobretudo da carga horária destinada à Formação Geral Básica.

Manifestamo-nos, assim, pela revogação da Lei do “Novo Ensino Médio” e reafirmamos a capacidade de contribuição de entidades científicas, acadêmicas, político-organizativas e sociais para a construção de uma proposta formativa para a última etapa da educação básica que valorize as juventudes, em especial aquelas que frequentam as escolas públicas.

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"Novo Ensino Médio: o que quer  o MEC" - matéria Folha de SP