quinta-feira, 14 de março de 2024

Artigo: Educando a juventude trabalhadora pelas métricas do mercado

Quadros, S. F.; Krawczyk, N. (2024). EDUCANDO A JUVENTUDE TRABALHADORA PELAS MÉTRICAS DO MERCADO. Educação Em Revista, 40(40). 


Pautar as políticas educacionais tem sido uma atividade recorrente do empresariado, e a reforma do ensino médio se consolidou como um traço emblemático desta influência. Este artigo analisa o significado do projeto educacional do empresariado para a juventude e para o ensino médio, desvelando seus propósitos e pressupostos, e a maneira como se articularam à Reforma. Esta análise tem origem em uma pesquisa de mestrado que fez uso de fontes primárias e secundárias, como documentos elaborados por fundações empresariais – com destaque para o Todos Pela Educação e o Instituto Unibanco –; documentos legislativos e normativos. A partir desse conjunto de documentos, foram selecionadas três categorias analíticas, consideradas mais relevantes pela maneira como fundamentam as propostas do empresariado: a pedagogia das competências, o accountability e o protagonismo juvenil. Conclui-se que o projeto educacional do empresariado para a juventude da classe trabalhadora se caracteriza por uma ‘captura’ da subjetividade, em que as competências socioemocionais procuram encarnar nos jovens o autocontrole, o trabalho em equipe e a resiliência – no seio da crise estrutural do capital –; o accountability pretende subjetivar a racionalidade neoliberal advinda do capital financeiro, com sua persecução neurótica pelo incremento de ‘capital humano’; e o protagonismo juvenil se caracteriza como uma estratégia pela qual o capital procura ‘submeter ativamente’ os jovens à sua racionalidade, ou seja, por meio dos discursos e das estratégias de manipulação, busca fazer o jovem acreditar que é o autor de sua própria dominação.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Artigo: Juventudes, novo ensino médio e itinerários formativos: o que propõem os currículos das redes estaduais

Monica Ribeiro da Silva, Nora Rut KrawczyK e Guilherme Calçada. Juventudes, novo ensino médio e itinerários formativos: o que propõem os currículos das redes estaduais. Revista Educação e Pesquisa, 49, 2023.


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A reforma do ensino médio pela Lei nº 13.415/17 estabelece uma organização curricular com carga horária dividida entre formação comum e itinerários formativos diversificados para lograr um currículo mais atraente para a juventude. Em vista do que estabelece esse marco legal e normas complementares, as redes estaduais produziram alterações nos currículos para essa etapa da educação básica. A intenção deste artigo é a de dar publicidade aos resultados de pesquisa que analisou as propostas curriculares das 16 unidades da federação que haviam concluído a adequação até dezembro de 2021, problematizando-as a partir da relação entre juventude e escolarização.. Dentre as conclusões se verifica uma expressiva variedade de formatos curriculares e a possibilidade de que se institua uma formação fragmentada e aligeirada, distante das necessidades de formação da juventude, seja para a vida em sociedade, seja para o mundo do trabalho ou para o acesso à educação superior.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Novo ensino médio: o que quer o MEC, afinal?

Matéria publicada na Folha de SP em 12 de abril de 2023

A lei 13.415/17, conhecida como novo ensino médio (NEM), vem sendo criticada por diversos setores da sociedade. Há centenas de pesquisas, artigos, teses e notas técnicas que atestam os problemas relacionados à concepção e implementação do NEM. O problema do novo ensino médio é estrutural: ele é incompatível com a realidade educacional brasileira e não corresponde às necessidades e direitos educacionais da juventude. O modelo precariza a formação básica científica e cultural e limita a perspectiva crítica da educação ao privilegiar o caráter utilitarista. Além de não resolver os já conhecidos problemas, está produzindo algo mais grave, que é o empobrecimento da formação da juventude com a diminuição das horas para formação geral básica de 2.400 para 1.800, excluindo disciplinas fundamentais, tais como biologia, física, filosofia, história, geografia, química, sociologia etc.

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Novo Ensino Médio: o que não tem conserto

Ele impõe o ensino embrutecedor. Forja novas gerações para o trabalho precário. E representa o sonho neoliberal de capturar o porvir. Revogá-lo é o primeiro passo para construir uma educação crítica e parte do projeto de reconstrução nacional.


Ao refletir sobre a função da educação em 1968, Adorno considerava essencial analisar em que medida ela poderia ser algo decisivo contra a barbárie. Hoje se coloca como fundamental saber que educação pode enfrentar a barbárie.

Diante dos ataques às escolas das últimas semanas, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania no Brasil disse: “A gente não está indo bem, a gente está falhando miseravelmente com as crianças e adolescentes deste país”1.

As palavras de Silvio Almeida nos fazem lembrar o pesadelo que o Brasil está vivendo com a reforma do ensino médio e com os falhos e descomprometidos argumentos a seu favor por setores sociais que só defendem seus próprios interesses e estão muito pouco preocupados com o futuro de nossos jovens e de nosso país.


Que reflexões podemos realizar sobre a reforma do ensino médio a partir das contundentes e verdadeiras afirmações do ministro Silvio? “Estamos criando uma sociedade em que as pessoas acham absolutamente normal fazer culto a armamentos… Nós estamos construindo uma sociedade miserável”. “Nós estamos correndo o risco de entregar um mundo pior para as pessoas que vem depois de nós”. “Nós estamos criando um mundo em que a esperança, o sonho não são possíveis”2.

A educação é algo muito caro à humanidade para deixá-la nas mãos de poucos, especialmente quando estes representam um único pensamento: impor a racionalidade neoliberal a todos os espaços da vida. A conjuntura nacional do impeachment da presidenta Dilma Rousseff permitiu, por meio da “doutrina do choque”3, a imposição de uma reforma rejeitada pela maioria dos movimentos vinculados à defesa do direito à educação e apoiada pelos institutos, fundações e movimentos que representam o capital.

Em meio a um discurso alarmista e com forte apoio mediático, típico dos países onde se implementaram diferentes políticas neoliberais, tal como o analisa Noami Klein, se impôs uma reforma educacional antidemocrática. Os estudantes denunciaram este caráter em 2016 e voltam às ruas em 2023 pedindo sua revogação. Eles querem apreender ciência sim, querem ter experiências artísticas sim, declaram os seus cartazes.

O ministro de educação, senhor Camilo Santana, embora mantenha-se alinhado à ideia de que a reforma é necessária e traz benefícios aos estudantes, aceitou “reformar a reforma” para corrigir problemas de implementação, frente aos “absurdos” que vem ocorrendo em relação aos itinerários formativos, e mantém silêncio sobre a drástica diminuição da carga horária da formação científica e humanista. Tendo em vista “melhorar a reforma” abriu consulta e suspendeu o calendário de implementação e de revisão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), estabelecido pelo governo Bolsonaro. Isto nada muda nas escolas de muitos estados que continuam com suas atividades como planejado para 2023. Mas os estudantes que este ano concluirão o ensino médio já no novo formato estão profundamente angustiados frente à incerteza de como será o Enem que eles terão que realizar. Serão penalizados porque cursaram o ensino médio no novo modelo que foi definido e implementado aos trancos e barrancos?

A narrativa construída pelos “reformistas” de que é possível fazer pequenas mudanças e adequações para resolver problemas de implementação poderá nos levar a entregar um mundo pior às novas gerações, um mundo em que a educação não será contra a barbárie, mas a própria barbárie.


Argumentamos neste texto que o problema da reforma não é de implementação, mas de concepção, grosso modo a implementação de uma política pública reflete sua concepção, seu desenho, e não é diferente em relação à reforma do ensino médio.

Em primeiro lugar é importante reafirmar que a reforma do ensino médio em curso não é só uma reforma curricular, ela envolve todas as dimensões que constroem a educação escolar e, portanto, é responsável pelos problemas de implementação que se apresentam no cotidiano das escolas e que impactam a formação dos estudantes, a organização do trabalho pedagógico, as condições de trabalho e a gestão escolar. Ela é responsável porque não aborda as questões estruturais da educação brasileira. Em seus enunciados fica claro o desconhecimento da instituição escolar, dos processos educativos e da juventude(s) brasileira.

A “nova arquitetura” do ensino médio, como é chamada a mudança na organização curricular, representa uma ruptura com a formação científica e humanista comum e geral para todos os estudantes, aspecto fundamental de uma educação contra a barbárie. Será que o objetivo da reforma é formar gerações que aceitem a tragédia humana que a sociedade mergulha sob a égide das políticas neoliberais e do capitalismo financeirizado?

Analisemos a concepção de educação da reforma do ensino médio e como necessariamente traria a desorganização e banalização da importância cultural da instituição escola.

  • A palavra de ordem da reforma é flexibilização, abrindo a possibilidade de escolha dos alunos, sintonizada com seus anseios e projetos de futuro, através da oferta de um currículo dinâmico e não enfadonho.

Nas últimas décadas as virtudes da flexibilização têm sido o principal argumento para a desregulamentação das relações de trabalho, da desvinculação de receitas dos recursos públicos, do currículo, entre outras. A reforma do ensino médio se insere no conjunto de reformas regressivas implementadas desde o governo Temer.

No caso da Lei 13.415/17 que deu origem à reforma do ensino médio não é diferente, pelo contrário faz parte de uma mesma concepção de reforma do Estado. Através dela não só estamos frente a um processo de desregulamentação da organização e conteúdo curricular, como também do tempo escolar, da responsabilidade pelo oferecimento do serviço educativo (parcerias) e da profissão docente. Em contrapartida, precariza a formação dos estudantes com a introdução da fragmentação curricular, orientada pelo individualismo e pelo empreendedorismo, como solução à barbárie do desemprego e do aumento estrondoso da desigualdade social.

  • A reforma curricular significa uma nova forma de distribuição do conhecimento socialmente produzido, colocando o ensino médio a serviço da produção de sujeitos técnica e subjetivamente preparados do ponto de vista instrumental, tendo em vista os interesses do capital, quebrando assim a organicidade da educação básica. Daí a pouca atenção voltada à formação de sentido amplo e crítico, ou sua secundarização, assim como a exclusão, como obrigatórias, de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Química, Física etc.
  • A formação técnico profissional que se pretende é meramente instrumental por ser desvinculada do conhecimento científico, ser ministrada por profissionais sem formação adequada para o exercício do magistério (notório saber) e direcionada para trabalho simples, visto que as escolas não são equipadas com laboratórios que permitam a realização de cursos de maior complexidade. Mais ainda, oferece-se ao estudante certificados intermediários, resultado de cursos de curta duração, que não tem valor no mercado de trabalho.

Que lugar se reserva para os estudantes com esta formação? O mercado de trabalho está passando por uma radical reestruturação em condições de acumulação flexível. Harvey (2012)4, descrevendo de maneira nua e crua esse processo, mostra que as empresas se estruturam a partir de um núcleo restrito de gerentes, com trabalho em tempo integral, segurança no emprego, boas expectativas de promoção, formação contínua e outras vantagens. Esse grupo deve atender à expectativa de ser adaptável, flexível e se necessário, geograficamente móvel. Depois veem dois subgrupos periféricos: um de empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como o pessoal do setor financeiro, secretárias, responsáveis por trabalhos rotineiros e trabalho manual menos especializado. O outro grupo, também periférico, inclui empregados de tempo parcial ou temporários, com quase nenhuma segurança no emprego e grande flexibilidade numérica. É justamente nesse último grupo que mais cresce o mercado de trabalho.

  • Retirar disciplinas como Filosofia, Sociologia e História, dentre outras, da grade curricular obrigatória, significa silenciar as vozes e histórias das populações e grupos marginalizados, contribuindo para uma construção cultural e social ainda mais desigual e injusta. Reforça assim a dualidade escolar ao romper com o princípio de formação geral e direcionar os estudantes para itinerários que a escola oferta, não necessariamente que eles escolheram.
  • A diversificação precoce da escolarização da(s) juventude(s) em percursos formativos, obriga os estudantes, que estão vivenciando suas primeiras experiências de sua trajetória na juventude e, ao mesmo tempo, na última etapa de sua formação básica, a tomar decisões prematuras que ao longo de seu trajeto escolar poderá mudar e nesse caso serão vistas como “erros” de escolha, responsabilizando o jovem estudante pela sua trajetória escolar. As afinidades dos estudantes estão relacionadas a múltiplas experiências escolares e não escolares: familiares, de pares e outras imprevistas.

Em um país com imensas desigualdades sociais, educacionais e escolares só tende a aprofundar as desigualdades, inclusive no que se refere às possibilidades de acesso à educação superior e causa prejuízos, sobretudo, a estudantes das escolas públicas.

A organização do currículo com uma parte diversificada por meio de itinerários formativos é justificada com vistas a levar em conta os interesses dos jovens e baseada em exemplos descontextualizados de países considerados avançados, e sem uma reflexão crítica dessas experiências, inclusive por seus pesquisadores5.

  • A inclusão da Educação a Distância é mais um exemplo do desconhecimento do processo educacional dos jovens e da importância cultural e socializadora da escola em prol de interesses privados que visualizam o financiamento estatal da educação como alvo para sua capitalização. (Harvey, 2014)6

Com a suspensão de aulas presenciais por conta da pandemia, proliferam as empresas privadas de serviços para EaD que hoje se voltam com força redobrada para sua implantação nos currículos escolares, que tanto a BNCC, com alto grau de padronização e de caráter altamente impositivo, quanto à parte diversificada abriram espaço para novas demandas de produtos e serviços educacionais.

Permitir que parte da carga horária do Ensino Médio seja ofertada na modalidade da Educação a Distância, além de ignorar que o Brasil é um país marcado por imensa desigualdade no que se refere à inclusão digital e a espaços físicos adequados, compromete a formação dos jovens num momento da vida em que o processo educativo não diz respeito apenas à aprendizagem de conteúdos, mas à convivência e à compreensão da função social do conhecimento. Trata-se de aprender e apreender o mundo de forma crítica e criativa o que demanda a vivência coletiva.

Portanto, a revogação da Lei do Novo Ensino Médio é necessária para garantir que a educação no Brasil seja um direito para todos e todas e não um privilégio de poucos. É preciso garantir uma formação crítica e cidadã, que promova a igualdade, a diversidade e a equidade, e que esteja em consonância com as necessidades da sociedade brasileira.

Os problemas de implementação estão ancorados, também, numa concepção de ensino médio dissociada do ensino fundamental, o que desestrutura o ensino, enfraquece o conhecimento científico em nome da flexibilidade curricular. O NEM não atende os anseios dos estudantes, não contribui para a construção de projetos de vida articulados às questões sociais, ele atende aos anseios daqueles que querem controlar a formação dos jovens para que aceitem a barbárie que o atual estágio do capitalismo e a política neoliberal tem provocado.

Entre as muitas medidas para que a educação seja um contraponto à barbárie, a revogação da reforma do ensino médio é imperiosa. Não é à toa que os “reformadores” estão fazendo a disputa com todas as armas, do Luciano Huck ao Estadão, todos em defesa de uma reforma educacional que favorece a barbárie.


Notas:

1 Discurso emocionado do Ministro Silvio Almeida após o ataque na creche de Blumenau, no evento de apresentação da cartilha do novo Conselho Tutelar. 5/4/2023. https://www.youtube.com/watch?v=XxAE7E1Ukyc. Acesso 18/4/2023

2 Idem

3 Naomi Klein explica em seu livro The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism [A doutrina do choque: A Ascensão do capitalismo do desastre] explica que a história do livre-mercado contemporâneo foi escrita em choques e que os eventos catastróficos são extremamente benéficos para as corporações. Publicado em português pela editora Nova Fronteira, 2008

4 HARVEY D. Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 145. 23 edição.

5 Entre outros, ENGUITA, M. e LEVIN, H. Las reformas compreensivas en Europa y las nuevas formas de desigualdade educativa. Revista de Educación, n. 289 (1989).

Jürgen Apel, H. e Álvarez-Valdés, M.V.Desarrollo del Sistema Educativo Alemán 1959-1990. Revista Espanhola de Pedagogia Vol. 50, nº 193 (1992).

SANTOS, D. De Sousa e ZAN, D. Djanira Pacheco: O sistema de ensino australiano: um olhar sobre as desigualdades educacionais. EDUR – Educação em Revista, N.38, 2022

6 HARVEY, D.O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.


, M. Novo Ensino Médio: o que não tem conserto. Blog Outras Palavras, 23/04/2023.

terça-feira, 25 de abril de 2023

MOVIMENTO NACIONAL EM DEFESA DO ENSINO MÉDIO - MANIFESTO DIRIGIDO AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, AO CONGRESSO NACIONAL E À SOCIEDADE EM GERAL

O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (MNDEM), criado em 2014, inicialmente  composto por várias entidades de representação do meio acadêmico e científico e outras representações da área da educação, como sindicatos e movimentos sociais, atuou efetivamente no âmbito das discussões e tramitação do PL nº 6.840/2013 no Congresso Nacional. Atualmente o MNDEM é comporto pelos 23 grupos de pesquisa distribuídos por todo o território nacional e que integram a rede nacional EMPesquisa. O MNDEM teve suas ações revigoradas quando da publicação da Medida Provisória (MP) nº 746 de 22 de setembro de 2016, tão logo consolidado o afastamento da presidenta Dilma Roussef e a ocupação do Palácio do Planalto pelo seu vice-presidente Michel Temer. A referida MP, de forte inspiração no PL nº 6.840/13, propunha ampla reformulação curricular e, também, mudanças nas regras de financiamento do Ensino Médio público. O presente Manifesto possui a intenção de ressaltar que os problemas do chamado Novo Ensino Médio (NEM) não se devem apenas ao processo de regulamentação pelas redes estaduais, do qual esteve ausente a participação de profissionais da educação e estudantes, e nem apenas às dificuldades que vieram à tona já no início da implementação. Trata-se, sobretudo, dos equívocos quanto à concepção do que deveria ser a última etapa da educação básica, equívocos estes já presentes na MP 746/16 e na Lei 13.415/17, reafirmados no processo de produção dos currículos estaduais e ampliados com a implementação nas escolas. Desse modo, é insuficiente fazer apenas ajustes, é imperativo e urgente a REVOGAÇÃO da Lei 13.415/17 e a retomada de um processo de reformulação do ensino médio que assegure efetivamente o direito à educação com qualidade para nossa(s) juventude(s). Quanto à concepção, reiteramos os graves aspectos sinalizados pelo MNDEM já no momento da aligeirada discussão da MP 746/16 no Congresso Nacional: 1) a redução da carga horária da formação geral básica para o máximo de 1.800 horas e o fatiamento do currículo em itinerários formativos, o que implica na negação do direito a uma formação básica comum e contraria o sentido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96 conferiu ao Ensino Médio, o de ser “educação básica” ”: comum e para todos, sem distinções no acesso ao conhecimento; 2) a organização por meio dos distintos itinerários que tem como consequência o reforço das desigualdades de oportunidades educacionais, além de infringir o direito de escolha das escolas, dado que esse poder foi delegado às secretarias estaduais de educação; 3) o reconhecimento de “notório saber”, com a permissão de que professores sem formação específica assumam disciplinas para as quais não foram preparados, o que institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino, em especial da Educação Profissional Técnica de Nível Médio; 4) o incentivo à ampliação da jornada (tempo integral) sem que tivessem sido assegurados investimentos de forma permanente, o que resulta em oferta ainda mais precária, além de induzir ao aumento da evasão escolar; 5) a definição da profissionalização como um dos itinerários formativos que tem como consequência a precarização da formação técnico-profissional, situação acentuada pela privatização por meio de parcerias; 6) a determinação de que apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática se tornassem obrigatórias, o que evidencia mais um aspecto da sonegação do direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral – científica, ética e estética; 7) a indução ao protagonismo de fundações, institutos e outros entes privados na condução da reforma que culmina com o uso privado de recursos públicos e delega a setores do mercado funções que são da ordem e responsabilidade da esfera pública; 8) a possibilidade de que parte da carga horária do Ensino Médio seja cumprida na modalidade de Educação a Distância em um país marcado por profunda exclusão digital, sobretudo das famílias de baixa renda e que compõem a origem dos/das estudantes das escolas públicas (O Ensino Médio público conta com um total de 6,6 milhões de alunos; as redes estaduais possuem uma participação de 84,2% no total de matrículas e concentram 87,7% dos alunos da rede pública conforme demonstra o Censo Escolar 2022 da Educação Básica de 2022. Atuam na rede pública aproximadamente 500 mil profissionais). Com a implementação, os problemas aventados no período de tramitação da MP 746/16 se confirmaram e se intensificaram. Observa-se de modo generalizado a desvalorização e intensificação do trabalho docente. Algumas disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física, Artes, dentre outras, passaram a ter substancial redução de carga horária e/ou foram retiradas da grade curricular de algumas séries/ano. Em alguns turnos, especialmente no noturno, elas desapareceram de praticamente todas as séries/anos, o que significa evidente prejuízo na formação dos/das estudantes.

As avaliações dos/das professores/as e estudantes quanto à organização da BNCC e dos livros didáticos por área do conhecimento se evidenciaram negativas, pois há relatos de que estão utilizando livros de anos anteriores, organizados por disciplinas. Esses profissionais afirmam que passaram a dar aulas de assuntos que não fazem sentido a alunos e alunas. Outro aspecto identificado diz respeito à necessidade de contratação de um número maior de profissionais pelas redes de ensino, seja pelo aumento da carga horária anual, seja pela diversificação curricular. Até o momento, não há indícios de resolução do problema causado pela reforma e que ocorre em todo o país: a falta de professores/as. A possibilidade de escolha do Itinerário Formativo a ser cursado já se apresentava como uma falácia, o que se confirma agora na implementação. Principalmente em escolas de pequeno porte, os/as alunos/as têm poucas opções, ou nenhuma. Estão sendo oferecidos em algumas redes estaduais e escolas os Itinerários Formativos e/ou disciplinas eletivas em contraturno ou à distância resultando em falta de interesse e incentivo ao abandono escolar. Além disso, a antecipação da necessidade de adoção de uma área de formação ainda no Ensino Médio configura-se como uma pressão injusta imposta aos estudantes em uma fase da vida de intensos questionamentos em que ainda estão constituindo suas identidades, se autoconhecendo, identificando suas preferências e potencialidades, compreendendo o mundo do trabalho e as relações sociais. Ao optar ou ser induzido a cursar um itinerário formativo, o estudante deixa de ter o acesso a conhecimentos historicamente compreendidos como básicos, o que limita suas possibilidades futuras de escolha profissional e de formação em nível superior. Verifica-se um descontentamento generalizado, tanto da parte de professores/as quando de alunos/as, com a diminuição da carga horária ou até o desaparecimento de disciplinas/conteúdos de formação geral para dar espaços para componentes curriculares criados como disciplinas eletivas, mas que não possuem qualquer embasamento científico. A ampliação da carga horária produziu diversos impactos considerados preocupantes, devido, inclusive, à falta de espaço real para o conjunto dos alunos, o que está fazendo com que parte dessa jornada esteja sendo cumprida de forma remota, sem qualquer acompanhamento pedagógico. É desejável a ampliação da jornada escolar, no entanto, é preciso que isso seja feito de forma a atender com qualidade tanto os aspectos curriculares e pedagógicos, quanto aqueles que dizem respeito a espaços adequados, alimentação, etc., o que implica em substantivo aumento dos recursos financeiros disponibilizados. A noção de flexibilidade que embasa a Lei e as normativas dela decorrente, em lugar de possibilitar a 'autonomia pedagógica" das escolas e professores/as e tornar mais significativa a experiência escolar para os/as estudantes, por estar baseada na oferta de algo que podemos chamar de 'mais do mesmo', evidencia um processo de desregulamentação e acomodação entre o que é proposto e o que é, de fato realizado, atravessado, porém, pelo aumento da precarização, o que torna ainda mais evidente o desconhecimento das redes estaduais pelos 'ideólogos' da reforma, estes vinculados ao setor empresarial. Em vista dos problemas identificados na concepção e pressupostos da reforma e que se confirmam já no início do processo de implementação, o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio indica, fortemente, e com base em evidências científicas, que o atual Governo Federal e o Congresso nacional assumam, em regime de urgência, a retomada da discussão sobre a etapa final da Educação Básica, que retome as Diretrizes presentes na Lei do Plano Nacional de Educação (sobretudo as relativas à Meta 3) e que acolha as deliberações da CONAPE 2022. O MNDEM indica, também a necessidade urgente do estabelecimento do diálogo com entidades científicas e representativas da área de educação, com entidades de representação docente e estudantil e com a sociedade em geral. De imediato indicamos a necessidade de revogar as proposições presentes na Lei 13.415/17 que originaram os problemas detectados já neste momento de início de sua implementação, bem como as normatizações decorrentes dessa Lei, dentre elas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CNE/CEB 03/2018) e Diretrizes Curriculares Nacionais gerais para a Educação Profissional e Tecnológica (Resolução CNE/CEB 01/2021). Entendemos que, para alterar de fato a qualidade do que é oferecido e ampliar as possibilidades de acesso, permanência e conclusão no Ensino Médio é necessário um conjunto articulado de ações envolvendo, da concepção à execução, as redes de ensino e os sujeitos que delas fazem parte. Tais ações precisam ter como eixo central o enfrentamento e superação das imensas desigualdades educacionais e escolares que, infelizmente, têm sido agravadas no contexto da atual reforma. Não se trata, portanto, de defesa de retorno, pura e simplesmente, ao “velho” ensino médio.

Dentre as ações necessárias com vistas a compor uma política pública articulada, o MNDEM indica: 1) a ampliação para o mínimo de 2.400 destinadas à Formação Geral Básica; 2) uma abordagem curricular que respeite as diferenças e os interesses dos/das jovens e que assegure, ao mesmo tempo, a formação básica comum e de qualidade (para essa finalidade, indicamos a retomada das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovadas e homologadas em 2012); 3) consolidação de uma forma de avaliação qualitativa no Ensino Médio que possibilite o acompanhamento permanente dos estudantes pelas escolas, com vistas à contenção do abandono e do insucesso escolar; 4) ampliação dos recursos financeiros com vistas à reestruturação dos espaços físicos, das condições materiais, da melhoria salarial e das condições de trabalho dos profissionais da educação; 5) garantia de condições físicas e materiais apropriadas nas escolas que oferecem Ensino Médio em tempo integral, bem como proposta pedagógica e curricular adequada à jornada ampliada; 6) fomento a ações de assistência estudantil, de modo a ampliar a permanência no sistema escolar de estudantes em situação de vulnerabilidade social; 7) atendimento diferenciado e qualificado para o Ensino Médio noturno e na modalidade da Educação de Jovens e Adultos; 8) incremento da oferta do ensino médio integrado à educação profissional, tendo como referência a experiência exitosa dos institutos federais; 9) formação inicial e continuada dos profissionais da educação que considere a diversidade de juventudes que frequentam a última etapa da educação básica; 10) oferta obrigatória da modalidade presencial, sobretudo da carga horária destinada à Formação Geral Básica.

Manifestamo-nos, assim, pela revogação da Lei do “Novo Ensino Médio” e reafirmamos a capacidade de contribuição de entidades científicas, acadêmicas, político-organizativas e sociais para a construção de uma proposta formativa para a última etapa da educação básica que valorize as juventudes, em especial aquelas que frequentam as escolas públicas.

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"Novo Ensino Médio: o que quer  o MEC" - matéria Folha de SP

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Documento enviado ao GT de Transição: Educação

O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (MNDEM) foi criado em janeiro de 2014, na  UNICAMP, e teve sua formação oficializada em ato que ocorreu no dia 24 de março de 2014 na Faculdade de Educação da USP. Inicialmente composto por várias entidades de representação do meio acadêmico e científico e outras representações da área da educação, como sindicatos e movimentos sociais, atuou efetivamente no âmbito das discussões e tramitação do PL nº 6.840/2013 no Congresso Nacional. O MNDEM teve seu primeiro manifesto publicado em março daquele ano, e foi subscrito pelas seguintes entidades: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação – ANPED, Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES, Fórum Nacional de Diretores das Faculdades de Educação – FORUMDIR, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE, Sociedade Brasileira De Física, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Grupo Interinstitucional de Pesquisa sobre o Ensino Médio – EMpesquisa, Rede EMdiálogo – Rede de Universidades que compunha o Portal Diálogos com o Ensino Médio. O MNDEM teve intensa participação nos debates que ocorreram no Congresso Nacional naquele mesmo ano.

(...)

[Baixe o anexo para continuar a leitura]

Anexo

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Livro: A reforma do ensino médio em São Paulo


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A reforma do ensino médio em São Paulo [recurso eletrônico] : a continuidade do projeto neoliberal / organização Nora Krawczyk , Dirce Zan ; autores Ana Beatriz Gasquez Porelli... [et al.] . - 1. ed. - Belo Horizonte [MG] : Fino Traço, 2022. 195 p.


quinta-feira, 16 de junho de 2022

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Resiliência ou resistência: um dilema social pós-pandemia

Nora Krawczyk; Dirce Zan. Resiliência ou resistência: um dilema social pós-pandemia. Políticas Educativas, 2021.

Resumo: Propõe-se um debate crítico sobre o “novo normal” que se desenha no processo de pandemia no Brasil e a relevância do tema da resiliência em discursos oficiais nos vários espaços sociais e institucionais.  Vista como a competência cultivada por docentes, alunos e famílias diante da atual situação sanitária, ela necessitaria ser ensinada na escola no contexto dos pressupostos epistemológicos das competências socioemocionais. Analisa as críticas oriundas da psicologia, da sociologia e da pedagogia. Atualmente, investir em uma educação focada no desenvolvimento de competências socioemocionais, em especial, na habilidade de resiliência pode levar a uma formação compatível com um novo e inevitável contexto educacional, social e econômico distante de qualquer projeto comprometido com transformações sociais significativas. 

O capital vai ao ensino médio: uma análise da reforma no processo de circulação do capital

QUADROS, S. F. de; KRAWCZYK, N. O capital vai ao ensino médio: uma análise da reforma no processo de circulação do capital. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 21, n. 00, p. e021044, 2021.

Resumo: Este texto procura colaborar com a compreensão da natureza da privatização da educação no processo de acumulação do capital. Faz uma breve análise das crises do capital para encontrar meios de absorção, procurando mostrar como a educação virou alvo de capitalização. Toma como objetos de análise a reforma do ensino médio (Lei 13.415/2017) e algumas ações do governo. Destaca as seguintes liberalizações que potencializam a absorção de novos investimentos: parcerias público-privadas na formação inicial e continuada de professores e implementação do novo currículo (induzida por meio do empréstimo junto ao BIRD); demanda por novos produtos e serviços educacionais para o “novo ensino médio”; oferta de parte da escolarização a distância; etc. E conclui que, dadas as contradições da educação no capitalismo, é preciso que os trabalhadores travem suas lutas também no processo de circulação, onde o capital tem vagado com menos resistência.

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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Quando a escola ensina a submissão financeira

"Num país em que 70% estão endividados, bancos e bolsas montam institutos para vender, na escola básica, ideia de que há sucesso e felicidade sob o capitalismo financeirizado. Governo Bolsonaro abre ensino público ao projeto disciplinador"


KRAWCZYK, Nora; OLIVEIRA, Tatiana. Quando a escola ensina a submissão financeira. Outras Palavras, 2021.

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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Universidades públicas brasileiras e a pandemia de 2020

 ZAN, Dirce. KRAWCZYK, Nora. Universidades públicas brasileiras e a pandemia de 2020Revista del Núcleo en Estudios e Investigaciones en Educación Superior del MERCOSUR, v. 10, n. 1, 2021.

Acesse aqui


Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar um quadro da recente expansão do ensino superior no Brasil, principalmente na rede pública, e as disputas e ameaças a esse processo que se apresentam no contexto atual da pandemia. Relata algumas das ações das universidades públicas paulistas, visando adaptar-se à suspensão de atividades presenciais, em razão do necessário distanciamento social. A flexibilização acadêmica e administrativa e a inclusão do ensino remoto são as principais ações adotadas nesse processo. Analisa também a complexidade da situação estudantil, que provoca nos alunos um turbilhão de emoções diante da incerteza sobre o que está acontecendo e o que está por vir. Discute o fato de que a necessidade atual de utilização do ensino remoto e de implementação de ferramentas digitais no Brasil está acelerando a venda de plataformas para todos os níveis de ensino, e elas poderão continuar sendo utilizadas no período pós- pandemia. Estimulado pela indústria técnico-educativa, atualmente é cada vez mais presente o discurso favorável ao ensino híbrido na universidade, que poderá levar a uma reconversão dramática do processo educacional ao serviço do capital, com flexibilização até mesmo das leis de contratação e compra de serviços privados pelas instituições públicas de ensino.

sexta-feira, 12 de março de 2021

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Resenha do livro: KRAWCZYK, Nora (org.). Escola pública: tempos difíceis, mas não impossíveis. Campinas, SP: FE/UNICAMP; Uberlândia, MG: Navegando, 2018.

Pode ser acessada em: https://dererummundi.blogspot.com/2018/12/escola-publica-tempos-dificeis-mas-nao.html

"Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis"

Em 2017, a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) centrou as comemorações do seu 45.º aniversário no debate sobre o ensino brasileiro, num contexto social e político particularmente adverso que vai além das fronteiras do país. Sob coordenação da professora Nora Krawczyk, realizou-se o Congresso Internacional Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis.

Um dos produtos foi um livro de acesso livre com o mesmo título (aqui), cujo intuito é:
"... ampliar o debate sobre os rumos que vem tomando a educação nos últimos anos, marcados pelos ataques à escola pública e o cerceamento ao trabalho docente. Os artigos (...) mergulham no momento atual, para desvendar os interesses em jogo e como estes se expressam nas recentes medidas de política educacional. “Nosso objetivo tem sido produzir conhecimento, função da universidade que só se realiza com autonomia para pensar, debater e confrontar diferentes visões”, explica a diretora da faculdade, Dirce Zan. Ela [reforça a] tomada de posição da Faculdade de Educação contra as tentativas de cercear a liberdade de ensinar e contra as estratégias de delação de professores, promovidas por movimentos como “escola sem partido” no Brasil, “con mis hijos no te metas” em diversos países hispano-americanos”. 
"Os artigos do livro não se limitam a analisar a escola pública e defende-la. Tratam de desmontar as falácias que fazem do estado uma espécie de origem de todos os males, que exaltam o privado e procuram destruir tudo o que tenha caráter público. Ao mesmo tempo, mostram como os ataques à escola pública não têm fronteiras: estão em ascensão tanto no Brasil, quanto na Europa e nos Estados Unidos. 
Infelizmente, é esse o momento que estamos vivendo, com uma forte campanha voltada à sua destruição e substituição por modelos que retiram seu caráter público e democrático. O discurso político alarmista e maniqueísta do fracasso do Estado na condução da educação básica e universitária é legitimado numa produção de conhecimento dominada pelo economicismo e pela supremacia dos interesses privados." 
"O ataque à escola pública não é mais nem menos que uma investida na ignorância que se dá, paradoxalmente, num tempo chamado ‘era do conhecimento’. Nega-se um espaço democrático onde se possa aprender a ser tolerante com as injustiças, a conviver com o diferente. Um espaço que estimule a curiosidade e o gosto intelectual de apreender. Um espaço que transcenda as crenças e os valores particulares de grupos e famílias. Uma escola que esteja disposta a contrariar destinos. 
O ataque à escola pública não é mais nem menos que um ataque à soberania nacional. A escola pública é um espaço estratégico de formação de valores e é fundamental no desenvolvimento de uma sociedade democrática e independente. Um espaço que, por sua própria condição de público, deve estar orientado pelo interesse coletivo. A universidade pública é o lugar, por excelência, de desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, em prol do interesse coletivo, econômico e social. 
A destruição dos espaços públicos e a apropriação da educação escolar por interesses particulares – ideológicos e econômicos – são dimensões do processo regressivo das conquistas sociais adquiridas ao longo de décadas e que estamos vendo serem destruídas, produzindo nem mais nem menos que a precarização e a desagregação da sociedade . É nosso dever resistir à destruição da escola pública, pois ela, apesar de todas as suas contradições, inerentes ao sistema no qual está inserida."
Nora Krawczyk (organizadora da obra)

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Resenha: Sociologia do Ensino Médio: crítica ao economicismo na política educacional

Educação & Sociedade

versão On-line ISSN 1678-4626

Educ. Soc. vol.36 no.130 Campinas jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302015137345 

IMAGENS & PALAVRAS
Sociologia do Ensino Médio: crítica ao economicismo na política educacional*

Monica Ribeiro Silva 1
1Universidade Federal do Paraná. E-mail de contato: monicars@ufpr.br

A universalização do acesso ao ensino médio apenas muito recentemente adentrou os horizontes da sociedade brasileira. O reconhecimento de sua condição de educação básica pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB 9.394/96) e a ampliação do tempo de obrigatoriedade escolar, assegurada pela EC59/2009, sinalizam na direção de que, cada vez mais, o tenhamos como um direito. Importante conquista para um país que estruturou seu sistema educacional pela ampliação da base e afunilamento do acesso aos níveis mais elevados da escolaridade. Que relações existem entre a constituição do sistema educacional e a constituição mesma desta sociedade?
A obra Sociologia do Ensino Médio: crítica ao economicismo na política educacional nos coloca diante dessa interrogação elegendo um fio condutor que atravessa o conjunto da coletânea: as contribuições que uma sociologia crítica pode dar para o estudo das relações entre sociedade, Estado e educação. O ensino médio é considerado, para essa análise sociológica, por vezes como campo empírico e, outras, como categoria de análise. A compreensão do lugar central que ocupa o ensino médio no cenário educacional, dos mais variados países, deriva do acertado reconhecimento das controvérsias que cercam a definição de políticas para essa etapa da escolarização, bem como dos distintos agentes que protagonizam essa definição.
Outro aspecto nevrálgico presente nas análises da obra diz respeito ao tensionamento entre "informação" e "conhecimento". Tal tensionamento se verifica seja na discussão sobre as finalidades do ensino médio em face da propalada "sociedade da informação e do conhecimento", seja propriamente na produção do conhecimento sobre a educação, produção esta que tem oscilado entre a pesquisa séria e rigorosa, própria de uma sociologia crítica, e a pesquisa de viés pragmático, baseada na lógica da eficiência e da reprodução de "experiências bem-sucedidas" que o conceito de "quase-mercado" ajuda a explicar.
O ensino médio traz a marca da configuração social na qual ele se realiza. Esta afirmação por demasiado óbvia não é empecilho para que Mariano Fernandez Enguita, ao prefaciar o Livro, nos lembre, de forma contundente, a "[...] encruzilhada estrutural do sistema educativo [...]" (p. 10) que representa ainda hoje a escola secundária. Encruzilhada acentuada pelas mudanças ocorridas na passagem do século XX para o XXI e que se traduzem emblematicamente na diversificação dos percursos formativos como aparatos de produção de distinção social. Do ponto de vista do estudante, tal encruzilhada se materializa, dentre outros aspectos, no esgotamento dos atrativos que a escola pode oferecer e na multiplicação das fontes de aprendizagem e de interação por meio dos ambientes digitais. A argumentação desenvolvida por Enguita faz com que, uma vez mais, nos coloquemos diante da indagação sobre a polaridade, complementaridade e/ou oposição entre informação e conhecimento. Qual sociologia poderia nos auxiliar na compreensão de processos - sociais e educacionais - tão complexos?
O eixo que perpassa Sociologia do Ensino Médio - o debate sobre os enfoques destacados na análise e definição de políticas educacionais - merece por parte da sua organizadora uma reflexão privilegiada. No texto de Introdução, intitulado "Conhecimento crítico e política educacional: um diálogo difícil, mas necessário", Krawczyk assevera o quanto temos estado diante da presença de um enfoque economicista que marca o pragmatismo na pesquisa educacional e confunde, propositadamente, conhecimento com informação, qualidade com eficiência, avaliação com mensuração. A autora nos lembra o quanto nas últimas décadas a definição de políticas educacionais esteve embalada por essa visão economicista, desde, pelo menos, a construção e disseminação da Teoria do Capital Humano na década de 1950.
Em contraponto a essa perspectiva economicista, as análises presentes no livro trazem como referência uma sociologia crítica. Nesta direção, a Sociologia é entendida como a ciência que tem
[...] por objeto de estudo o conhecimento do mundo social, das relações sociais, e como propósito compreender como a sociedade age e se perpetua, suas possibilidades de reprodução e/ou transformação, incorpora necessariamente o estudo das práticas sociais produzidas por relações sociais historicamente determinadas [...]. (p. 24).
Uma perspectiva crítica da sociologia é aquela que toma seu objeto de estudo em sua historicidade e mostra as dinâmicas próprias dos processos de regulação social e suas contradições, bem como os tensionamentos presentes nas relações sociais.
No campo da educação, uma sociologia crítica, desde Bourdieu (KRAWCZYK, p. 25), é aquela que analisa "[...] as práticas de ensino e comunicação, entre outros, e como esses processos reproduzem as desigualdades sociais, étnicas e de gênero [...]" evidenciando, a um só tempo que, conquanto a escola não seja simplesmente uma instituição a serviço das classes dominantes, tampouco ela é uma instituição neutra. Com base nessa perspectiva analítica é que se estrutura a coletânea.
Sposito e Souza se ocupam de nos fazer entender, a partir dos processos de construção da condição juvenil e das mudanças recentes na sociedade brasileira, a problemática do ensino médio. As autoras mostram que "[...] não obstante a denominada diversidade entre os segmentos juvenis é preciso considerar a existência de processos transversais de natureza social que afetam todos os jovens, quer sejam ou não estudantes [...]" (p. 56). Disso decorre que "reconhecer diversidades implica admitir as transversalidades" e que estas incidem diretamente na relação dos jovens com a escola. As análises feitas no artigo "Desafios da reflexão sociológica para a análise do ensino médio no Brasil" exemplificam uma perspectiva não escolar da reflexão sociológica sobre a escola. (KRAWCZYK, p. 27)
"As relações com os estudos de alunos brasileiros de ensino médio" é o título do capítulo com autoria de Bernard Charlot e Rosemeire Reis. A partir de um estudo comparado, tendo por fonte a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é identificada a situação de atraso em que se encontra o Brasil quando se trata do acesso ao ensino médio. Os autores asseveram que a ampliação do acesso deve vir acompanhada da solução de problemas que aparecem quando um segmento social, antes excluído, adentra o sistema escolar. Nessa direção o texto problematiza o sentido da escola ou a recusa em estudar.
A concorrência entre escolas é um fenômeno universal ou condicionado? A indagação presente no texto de Agnes van Zanten parte da hipótese de que existem relações diretas e indiretas entre os estabelecimentos escolares situados em uma mesma área e que estas relações podem ser tipos diferentes "[...] a depender do fator predominante de regulação: o Estado, o mercado ou a comunidade [...]" (p. 94). O estudo comparado entre países do continente europeu leva a autora a concluir que
[...] os sistemas educacionais que favorecem abertamente o desenvolvimento de políticas de concorrência entre estabelecimentos [...], defendem esse princípio em nome de uma diversidade educacional desejada pelos pais e necessária ao desenvolvimento econômico e social (p. 121).
De autoria de Maria Alice Nogueira e Wania Guimarães Lacerda o artigo "Os rankings de estabelecimentos de ensino médio e as lógicas de ação das escolas - o caso do Colégio de Aplicação da UFV", discute o quanto a indução ao ranking entre escolas suscitados, especialmente, pela divulgação dos resultados das avaliações em larga escala interferem nas dinâmicas de organização das escolas.
As lacunas entre o que se pretende conceituar e as categorias criadas pelas ciências sociais para fazê-lo se assemelha a cavaleiros sem cavalo. A referência é feita por Guillermina Tiramonti aludindo ao desafio do tema a que se propõe desenvolver no capítulo final: "A escola moderna: restrições e potencialidades frente às exigências da contemporaneidade". Com vistas a dialogar com vozes que sustentam a incapacidade da escola de ser mediadora da cultura contemporânea, o texto se desenvolve a partir de cinco análises/argumentos: o imperativo da inclusão e a insuficiência do dispositivo institucional moderno; as experiências destinadas à inclusão; a experiência das escolas de reingresso; a exigência da mudança cultural e a experiência das atividades extraescolares; e a gratificação e o desejo como suporte da atividade. Os argumentos nos levam a concluir, com a autora, quando ressalta os limites da escola em oferecer respostas aos imperativos da contemporaneidade: "por um lado, a sua organização baseada num currículo compartimentado" e, por outro "a subjetividade dos jovens que hoje acodem à escola" (p. 204).
Ao finalizar a leitura do Livro Sociologia do Ensino Médio, palavras contidas no último capítulo fazem ressonância nos textos anteriores. Necessário, portanto, reproduzi-las para que continuem ecoando e provoque outras análises e que, sobretudo, permita novas perguntas. Ao recuperar as razões do surgimento da escola na modernidade, Tiramontini nos faz lembrar:
[...] que todas estas funções (de integração social, de disciplinamento para o trabalho, de legitimação política) basearam-se numa definição cultural (o Iluminismo, a Ilustração) em referência à qual se organizou a instituição escolar [...]. (p. 188).
O surgimento da escola esteve deveras vinculado aos requisitos da economia. Essa constatação reafirma a relevância e pertinência de Sociologia do Ensino Médio: crítica ao economicismo na política educacional. Como cavaleiros sem cavalo, esta obra coloca-nos diante do desafio e da possibilidade de compreendê-la para além do economicismo vigente e situá-la no horizonte para além do quase-mercado.
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Resenha do livro organizado por Krawczyk, Nora. Sociologia do Ensino Médio. Crítica ao Economicismo na Política Educacional. São Paulo: Cortez, 2014.
Recebido: 05 de Julho de 2014; Aceito: 26 de Maio de 2015